Brasil amplia estoque de café na ICE e pressiona pequenos produtores

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Movimento representa uma ameaça para rivais, especialmente nas Américas Central e do Sul

O Brasil está aumentando seu controle sobre o mercado global de café arábica, à medida que grãos provenientes do país ingressam em armazéns da bolsa ICE Futures, em movimento que pode afastar pequenos produtores do mercado e pressionar os valores de referência da commodity.

Há muito tempo o maior produtor global de café é capaz de fornecer grandes volumes a preços acessíveis para os mercados, já que a colheita mecanizada e métodos de processamento mais baratos mantêm seus custos de produção abaixo dos de seus rivais.

Conforme a produção de café cresce, o Brasil também aumenta a produção de arábica de maior qualidade, e agora, pela primeira vez, está enviando seu excedente de grãos para os mercados futuros de Nova York em volumes significativos.

Dados mostram que a quantidade de café brasileiro em armazéns da ICE e disponível para entrega frente aos contratos futuros da commodity disparou para 88.294 sacas, ante 650 sacas em 3 de setembro, ajudando a afastar os estoques totais das mínimas de 20 anos registradas recentemente, quando atingiram a marca de 1,1 milhão de sacas.

O movimento representa uma ameaça para rivais, especialmente nas Américas Central e do Sul, já que pode pressionar ainda mais o valor de referência do café arábica na ICE, que tocou mínimas de quase 14 anos em 2019 e continua abaixo dos custos de produção de diversos cafeicultores de pequeno porte.

Os futuros na ICE costumam cair quando o volume dos estoques que os referenciam cresce, embora somente a possibilidade de operadores dos mercados futuros receberem café do Brasil –menos procurado do que os grãos da América Central– também possa derrubá-los.

E o fluxo do café brasileiro até agora é, provavelmente, apenas a ponta do iceberg.

Operadores esperam que até 400 mil sacas sejam entregues nos próximos meses, a primeira grande chegada desde que a ICE alterou, em 2013, suas regras para permitir que o café premium “semi-lavado” do Brasil pudesse ser entregue contra os futuros de arábica “lavado” de alta qualidade.

Nos próximos anos, um volume ainda maior poderá ser entregue.

O café lavado, que envolve a extração do fruto com água antes da secagem dos grãos, tem custo de produção mais elevado e demanda preços mais altos.

O Brasil produz principalmente os “naturais”, de qualidade inferior, em que as cerejas são secas antes da extração, mas uma safra de maior qualidade neste ano permitiu o aumento da produção de grãos “semi-lavados”, em um processo com menos etapas que o do café totalmente lavado, mas que ainda assim resulta em boa qualidade.

“Se as condições atuais do mercado voltarem a emergir, os ‘semis’ do Brasil voltarão a ser entregues”, disse Vivek Verma, CEO da Olam Coffee, parte da Olam, uma das maiores tradings de commodities agrícolas do mundo.

“Alguns produtores de lavados teriam que abandonar totalmente o café, o que seria uma tragédia”, acrescentou.

FORÇA DOMINANTE

Honduras continua sendo a principal fonte dos estoques de café da ICE, com 856.425 sacas. Mas esse total diminuiu quase que pela metade em relação ao ano passado, quando atingia 1,52 milhão de sacas.

“Os preços baixos que tivemos no café significaram que os produtores (fora do Brasil) não quiseram mais colher seu café, não se preocuparam em colhê-lo, então não pudemos repor os estoques certificados”, disse um operador de uma trading internacional de commodities.

Operadores acreditam que o Brasil produziu de 6 milhões a 10 milhões de sacas de café semi-lavado neste ano, quase o dobro da quantidade de costuma produzir.

Esse aumento de produção resultou na queda dos preços dos “semis” do Brasil nos mercados físicos, o que fez com que a entrega de grãos para a bolsa se tornasse uma opção atraente.

Esse pode não ser o caso em todos os anos, mas muitos acreditam que uma mudança de longo prazo está em andamento.

“Os ‘semis’ do Brasil são potencialmente o futuro, eles podem ser tornar a força dominante desse mercado”, acrescentou o trader.

Um segundo operador disse que “seria uma grande virada de jogo. As pessoas podem investir mais na capacidade de lavagem do Brasil e outras origens de arábica se tornariam um produto de nicho, premium, gourmet… vai demorar cerca de três anos para isso acontecer.”

Reuters

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